terça-feira, 29 de junho de 2010

Lição




Do medo do audaz.

Do silêncio
do que tem a dizer e cala.

Do orgulho
daquele que mantém-se contrito na humildade.

Do decoro
que há no ritual do orgasmo.

No amor próprio
do mártir.

Na pureza do devasso.

Na transparência do tolo.

Há sempre uma lição

Quase lição


Do desespero de quem procura
e não achará.

Da alegria forçada
de quem será pra sempre triste.

Das muitas paixões
do incapaz de amor.

Da fêmea que geme e gane e contorce
e não goza.

Das bravatas do covarde.

Quase se tira alguma lição.

domingo, 27 de junho de 2010

Proposta de método para criar histórias coletivas


Plano para Deus e o Diabo carioca
Cangaço na Favela
Ou
Proposta de método para criar histórias coletivas

Pai – morto –poder – filho – vingança/ganância/coragem –reparação –sacrifício.

O cara tava segurando uma furadeira, em situação banal, chega a polícia e passa fogo. Mãe, filho, assistem. O pai era um cara maneiro, ia plantar uma flor. Subiam à laje, após um momento de encontro, na verdadeira acepção da palavra. Quem não daria o tiro? Quem daria? E por que não pode voltar bala? As leis do direito de vingança e justiça. A luta, coletiva. “Um homem roubado nunca se engana”. Sem heróis, mas com mártires que não nasceram pra morrer. Nenhum que já existiu, mas que pode estar em processo. Pode-se, inclusive, ser apenas um sonho no final. Um sonho pós-morte. Perigoso.

Daí em diante, não sei fazer sozinho. Depois é decifrar essa história em debates. Transformá-la em roteiro. Pirar nas filmagens, na edição e botá pra frente.

Triste como um cão.
Silêncio então.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Predestinado


E como se o vazio que me espreita,
desde sempre,
me agasalhasse por completo.
Nessa manhã,
como se eu acabasse finalmente,
pro mundo em torno.

E a tristeza,
mãe de todos os meus filhos –
exceto um –
deitasse sobre mim,
nua.
E me desnudasse.

E o sentimento do erro,
confrontado ao erro mesmo.
De tudo pra trás e pra frente, pro fundo,
matasse de vez meus acertos,
meus sonhos
todo o futuro e até as lamúrias.

E a morte
que sadicamente só me conduzirá mais tarde,
no ocaso do corpo,
me acompanhasse com suspiros e enleios.
Em sopros de uma vida escura
Em lágrimas que não caem
Em amores que escorrem e não vingam.

E finalmente,
Compreendi.
Nessa manhã.
Minha predestinação.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Exercício Crime e Castigo


Da multidão passante, em ir e vir, caótica. Das pessoas todas, era simples distinguir Roulién Cordas. Cortava entre as gentes com ar displicente e febril e de quando em quando mais arfava que dizia: – Raskólnikov. Embrenhava-se em pensamentos, embaçava os olhos pra dentro, indo a diante e sem se dar: – Raskólnikov, repetia e repetia. E eu que o narrava, já o destacando dos demais, perscrutei a moça que vibrava nele e o pensamento fixo que o seguia: “pode-se passar impune ao crime, mas não à paixão”.
Numa mentação furiosa, obstinada, Roulién havia sido predestinado de mulher. Aquela coincidência, que para um realista pareceria trivial, tomou um sentido sobrenatural, místico. Como quando Raskólnikov ouvindo dois homens suporem a morte de uma velha usurária com quem ele acabara de empenhar uma jóia, entende essa coincidência como um chamado. Então à coincidência mística, somou-se a compreensão mística que ele tinha de Crime e Castigo. E Roulién Cordas siderou. E tornou-se personagem.

Romance nenhum


Porque o poeta não faz um romance?
E me lembrar que não sou nem o primeiro.
Seguirei mil, dois mil
dois parágrafos começados rumo ao romance nenhum.

Porque o poeta não faz um romance?
Como ligar esse halo com as personagens em detalhe?
Mostre-me uns versos Dostoeiévski!
Mostre maldito russo! Inatingível russo!