quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Sereias e Marujo

1º Ato

Sereias, sirenas
que me olvidaram o caminho,
desorientaram as estrelas.

Tão lindas
Tão serenas e amigas
que levaram meus navios às pedras.

Sereias,
a quem dei anos,
a quem dei filhos.

Sereias todas
Miragem, temor
e ainda não amor.

E não tu,
mulher do horizonte,
porto de minha felicidade.

2º Ato

Marujo infiel,
admites,
reconhece.

As moças que afogaste,
que não eram miragens.

Sem caldas, seus corpos amanheciam nus,
arroxeados,
mortos.

Nas praias,
rolavam tristes na espuma.

Admites,
quando tocava a moça do horizonte,
quando a provava
e ainda se perdia em horizontes,
se despedia.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Preocupem-se

Quantos dias já não enluararam
e você até sorriu.
Quantas noites frias e escuras
já passou em gargalhadas.

Não há o que se preocupar.

Preocupem-se os que não têm inimigos.
Os que bocejam,
enquanto todas as tristezas
vêm nos divertir.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Um cheiro

Fazia serão no trabalho
Buscava as pendências
Pensava em burlar
De repente passa um cheiro
Que passa pra se olhar.

Um cheiro vestido em vermelho
sumiu pelo corredor.

Perdi o fio da meada do poema.

Ah, mas se ela volta.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Não se mate



Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
Reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.
O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.
Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Suruíal Beat


Perdi-me
Nas vagas ruas
De um qualquer lugar.

Um louco fugido
Abriu a velha porta de um armazém
Onde armazenava seus ancestrais.
Mesmo assim,
Entramos pela janela.
E descobrimos uma tia-avó em comum.

Através dos sonhos dela
Vagueei por de ja vus
Por vagas amarelas, onde
pétalas de algas desconhecidas boiavam
E senti cheiro de esterco em alto mar.
Derivei além de vaguear.

Numa única lambida
Alcancei dos calcanhares à nuca
De uma fêmea linda e morta na qual se transformou o mar revolto
Que reviveu e grunhiu, salgada
Enquanto à engolia num gole.

Sanguíneo,
Caminhei ensolarado pelas sombras
Desenterrei uma ampola de lágrimas
Sob os escombros de uma fábrica de umbrelas.
No Soho, na Istambul, no Lau? No Aleph.
Esvaziei na chuva vermelha de um ocaso de abril.

Sonhei que acordava.

“Finalmente, dei uma caminhada solitária até o dique.
Queria sentar na margem enlameada e
Curtir o rio Mississipi;
Em dez disso,
Tive de contemplá-lo com o nariz encostado numa tela de arame.
Quando começam a separar a pessoas de seus rios,
O que é que nos resta?”

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Turvulência ou melhor poema

Turvas turvas turvas
São a água
Lentos lentos
Oespasços.

Turvulentos?
Turvulentos
São os ventos.